Dentro do mundo corporativo no Brasil é muito comum ouvirmos siglas, expressões e jargões que são comumente utilizados e fazem parte da cultura do trabalho. Importamos para nosso glossário expressões e sopas de letrinhas como: Benchmark, mindset, brainstorming, compliance, ROI, KPIs, ESG, D&I, entre outros. Teoricamente, todas estas palavras são utilizadas para melhorar a eficiência da comunicação, resumindo conceitos complexos e facilitando seu entendimento. Independente de concordar ou não, quem vive este mundo assume a responsabilidade de entender estes jargões pois isto é parte do meio.

Mas o que isto tem a ver com o mundo da parentalidade? Quando nos importamos para o mundo da parentalidade, nas fases iniciais de gestação, parto e puerpério, principalmente para os homens, é notado também um glossário completamente diferente do que costumam utilizar. Na canção “Homem Paterno” de Marcelo Correia, o trecho a seguir destaca algumas palavras que também carregam conceitos complexos mas que são quase invisíveis aos homens:

 “Colostro, mecônio, apojadura e puerpério, palavras de um mistério que eu iria desvendar. Sim, estou perdido. Porquê nunca me disseram? Que meu papel também cuidar!”

Mas será que, assim como o que acontece no mundo corporativo, nós buscamos informação e estudamos estas sopas de letrinhas? Na canção “Homem Paterno”, um homem que acaba de entender que está “grávido” se vê cheio de dúvidas sua jornada como pai e como ele deve se portar. Infelizmente, isto é muito comum entre homens que não discutem com seus colegas, amigos, sobre o que é o papel de um homem e de um pai. Homens não falam sobre o que é ser homem. E nisto, perpetuamos uma ignorância e uma fragilidade de não assumirmos a nossa responsabilidade como pais.

Aos pais, deixamos a seguinte reflexão: Vocês estudaram sobre as fases de parto, sobre as transformações ocorridas no corpo da companheira, do bebê o tanto quanto se dedicaram para estudar para o exercício de suas profissões?

Paternidade no Ambiente de Trabalho

Dentro de um ambiente corporativo, a tradição é de que as ausências no trabalho por conta de tarefas ligadas ao cuidado com filhas e filhos (ex: adaptações dos filhos na creche, consultas aos pediatras, atividades esportivas e escolares, etc) são exercidas majoritariamente pelas mulheres ou pela rede de apoio. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), enquanto as mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas, os homens gastaram 11,7 horas. Explorando outros recortes, observamos que mulheres pretas ou pardas ainda dedicaram 1,6 hora a mais por semana nessas tarefas do que as brancas.

A questão é que muitos homens ainda se veem presos ao papel tradicional do homem/pai provedor, negligenciando a importância do cuidado e do afeto, principalmente nas fases iniciais da maternidade. Ainda que o PAI PROVEDOR esteja sendo substituído pelo PAI CUIDADOR aos poucos, ainda há um longo caminho pela frente para que a cultura seja transformada e isto chegue em todas as classes, corpos, raças e regiões de nosso país.

Segundo uma pesquisa do Ibope (2020), a maioria dos pais ainda se responsabiliza apenas por atividades lúdicas, como brincar e passear, mas que 74% acreditam que poderiam se responsabilizar mais pelas tarefas do dia a dia com as crianças.

Apesar do dado ser esperançoso, a realidade é que a “paternidade consciente” ainda é uma bolha e que veremos esta transformação nas próximas gerações de uma forma gradativa.

Participação na Gestação, Parto e Puerpério

Durante as fases de gestação, parto, puerpério, por exemplo, muitos homens se sentem deslocados ou até mesmo excluídos do processo, não porque a sociedade coloca a mulher como protagonista, mas porque eles próprios não assumem ou não entendem suas responsabilidades no processo.

Na gestação, são diversas atividades que exigem apoio como agendamento de consultas, escolha de obstetra, entendimento das diferenças fases da gestação e todas transformações que ocorrem no corpo do bebê e da gestante, cuidados com alimentação, atividades de apoio como massagens, terapias que promovam mais conforto, etc.

Estudos mostram que o apoio do parceiro pode reduzir significativamente o estresse e a ansiedade da gestante, contribuindo para uma gravidez mais saudável. De acordo com uma pesquisa publicada no Journal of Psychosomatic Obstetrics & Gynecology, o apoio emocional do parceiro está associado a menores níveis de ansiedade e depressão na gestante, o que pode levar a melhores resultados obstétricos.

No parto, a presença do pai é um fator de grande apoio emocional para a mulher. A falta de diálogo e de preparação pode transformar esse momento em uma experiência de ansiedade e insegurança, ao invés de ser um momento de união e fortalecimento do vínculo familiar. Diversos estudos também já publicados revelam que a presença do pai na sala de parto está associada a uma redução significativa no uso de analgesia pela mãe, indicando um efeito calmante e de suporte.

Já no puerpério, a mulher passa por uma série de mudanças físicas e emocionais, e a presença e o apoio do parceiro podem fazer toda a diferença na recuperação e no bem-estar da mãe e da criança. Este apoio também inclui as centenas de tarefas e cuidados com a criança, a mãe e a casa.

Com exceção da gestação e amamentação, todos os cuidados com a criança podem ser exercidos pela figura paterna. E toda oportunidade de cuidado deve ser visto como um estreitamento no vínculo entre pai e criança. Ninar a criança, dar banho, cortar unhas, acompanhar os exercícios, atividades, entre outros. Como diz o ditado “o amor está no cuidado”.

No entanto, muitos homens ainda veem o cuidado com o recém-nascido como uma responsabilidade exclusiva da mulher, perpetuando a desigualdade e sobrecarregando a mãe.

Despertar Paterno

O que ouvimos frequentemente em nossas rodas de conversa, palestras, é o despertar de muitos homens após o nascimento do filho. Como que a chegada da criança fizesse os homens a acessarem um lugar de afeto que muitos aprenderam a suprimir com o tempo. Mas deste momento de despertar até de fato assumirmos todas as dezenas de responsabilidades e toda carga mental como pais é um caminho longo.

 Chamado à Ação

É essencial que os homens rompam com as barreiras impostas pela “caixa de homem” e assumam um papel ativo e responsável na gestação, parto, puerpério e em toda educação das crianças. Isso não só beneficia a parceira (o) e o bebê, mas também enriquece a experiência de paternidade, criando laços mais fortes e significativos. Para isso, é necessário promover uma cultura de diálogo e educação, onde os homens se sintam encorajados, preparados e assumam de fato suas responsabilidades.

Assim como muitos encaram o trabalho como o lugar de se capacitar, se desenvolver para teremo o melhor entendimento e estarem aptos para executarem suas profissões, o “paternar”, o “cuidar” também exige dedicação, busca por conhecimento prático, teórico. É comum ouvirmos frases como: “o mais importante para mim é a minha família”. Mas o que os homens estão fazendo de fato e qual o tempo e energia que estamos alocando neste cuidado?

Recursos e Ferramentas

Para os homens que desejam se preparar melhor para a parentalidade, aqui estão alguns recursos úteis:

  • Livros: Leitura de livros sobre experiências paternas como “Abrace seu filho ” de Thiago Queiroz, “Bora, Pai” de João Paulo Simplício e “Papai foi para roça, mamãe foi trabalhar” de Otavio Leal.
  • Cursos: Cursos online sobre paternidade como os oferecidos pelo projeto Homem Paterno.
  • Grupos de Apoio: Participar de grupos de pais em redes sociais ou em sua comunidade local pode fornecer suporte e compartilhar experiências.

Em resumo, a reconstrução da forma que exercemos nossas masculinidades e paternidades passa necessariamente pela conscientização e responsabilização dos homens para que eles assumam seu papél em todas fases da criação e educação dos filhos. Participar ativamente na gestação, no parto e no puerpério é um processo que exige esforço, dedicação e aprendizado, mas que fortalece o vínculo, o afeto, o amor e traz benefícios imensuráveis para toda a família.