Agosto Lilás é uma campanha de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, instituída pela Lei Estadual nº 4.969/2016. A campanha visa intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre a necessidade de acabar com a violência contra a mulher, e divulgar os serviços especializados de atendimento e os mecanismos de denúncia existentes.

Histórico da Lei Maria da Penha e da Campanha Agosto Lilás

Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica bioquímica brasileira que se tornou um símbolo da luta contra a violência doméstica no Brasil. Em 1983, ela sofreu duas tentativas de homicídio por parte de seu então marido, Marco Antonio Heredia Viveros. Na primeira tentativa, ele atirou em Maria da Penha enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho. Após sobreviver a essas tentativas de assassinato, Maria da Penha enfrentou uma longa e árdua batalha judicial para que seu agressor fosse punido. O caso se arrastou por quase duas décadas no sistema judiciário brasileiro, sem que Marco Antonio fosse condenado. Cansada da impunidade, Maria da Penha levou seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que interviou no caso, resultando na criação de uma legislação específica para proteger mulheres vítimas de violência doméstica.

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada em 7 de agosto de 2006 e entrou em vigor em 22 de setembro do mesmo ano. A lei trouxe avanços significativos na proteção das mulheres, incluindo medidas protetivas de urgência, a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, aumento das penas para agressores e a promoção de políticas públicas de apoio às vítimas. A lei é considerada uma das mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica.

Com o objetivo intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre a necessidade de acabar com a violência contra a mulher, e divulgar os serviços especializados de atendimento e os mecanismos de denúncia existentes, foi criada a campanha Agosto Lilás foi instituída pela Lei Estadual nº 4.969/2016. Idealizada pela Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres (SPPM) em 2016, a campanha inclui ações de mobilização, palestras e rodas de conversa, além de produzir material educativo acessível a mulheres com deficiência visual, auditiva e de etnias indígenas. A campanha tem se consolidado como uma importante mobilização social no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Inovações e Ações da Campanha

Uma das inovações da campanha foi a produção de material educativo sobre a Lei Maria da Penha direcionado a mulheres com deficiência visual, auditiva e de etnias guarani e terena. Foram distribuídos CDs em áudio com narração em braile, DVDs de libras para mulheres surdas e cartilhas traduzidas nas línguas indígenas. Além disso, a Lei 4.069/2016 criou o programa “Maria da Penha Vai à Escola” e, nos anos seguintes, foram incorporadas outras ações, como “Maria da Penha vai à Igreja”, “Maria da Penha vai ao Campo”, “Maria da Penha vai à Empresa”, “Maria da Penha vai à Aldeia”, “Maria da Penha vai ao Quilombo”, “Maria da Penha vai ao Bairro” e “Maria da Penha vai à Feira”. Essas ações visam levar informação e conscientização a diversos segmentos da sociedade, promovendo um ambiente de diálogo e educação sobre a violência contra a mulher.

Estatísticas Alarmantes

A violência doméstica é um problema grave e persistente no Brasil. De acordo com dados do Observatório da Mulher Contra a Violência publicado neste ano, DataSenado, Instituto Avon e Gênero e Número, metade das mulheres brasileiras já sofreu algum tipo de violência doméstica ao longo de suas vidas. No entanto, 18% dessas mulheres não se identificam como vítimas. Esse dado faz parte da primeira atualização do Mapa Nacional da Violência de Gênero, que entrevistou mais de 20 mil mulheres brasileiras. Do total, 30% reconheceram a violência vivida e a nomearam como tal.

Esses números revelam uma realidade preocupante: muitas mulheres ainda não conseguem identificar as situações de violência que enfrentam, o que dificulta a busca por ajuda e a denúncia dos agressores. A falta de reconhecimento da violência é um obstáculo significativo na luta contra a violência doméstica, pois impede que as vítimas acessem os serviços de apoio e proteção disponíveis.

Percepção de Aumento da Violência

A 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, divulgada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), revelou que 74% das brasileiras perceberam um aumento da violência doméstica e familiar em 2023. A maioria das violências foi de forma física, psicológica e/ou moral. A pesquisa entrevistou mais de 21,7 mil brasileiras e apontou que a percepção de aumento foi mais acentuada na região Centro-Oeste (79%), seguida pela região Nordeste (78%), Norte (74%), Sudeste (72%) e, em último lugar, a região Sul (66%).

Esses dados indicam que a violência contra a mulher é um problema nacional, afetando todas as regiões do país, embora com variações na percepção do aumento. A pandemia de COVID-19 exacerbou essa situação, com muitas mulheres ficando confinadas com seus agressores, o que dificultou ainda mais a denúncia e a busca por ajuda.

Destaques do Anuário de Segurança Pública 2024

Os dados do Anuário de Segurança Pública 2024, divulgados em 18 de julho, apontam para o crescimento de todas as formas de violências contra a mulher entre 2022 e 2023. Segundo o levantamento anual feito pelo Fórum de Segurança Pública, o número de mulheres que sofreram violência psicológica cresceu 33,8%, totalizando 38.507 casos. Outro aumento expressivo está relacionado à violência sexual, como a importunação e o assédio, que cresceram 48,7% e 28,5% respectivamente.

O stalking também apresentou um aumento relevante, com 34,5% de casos a mais. Este termo em inglês pode ser traduzido para o português como “perseguição” e é definido pelo art.147-A do Código Penal brasileiro como a prática de “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

Os números de feminicídio e de tentativa de homicídio contra mulheres também tiveram alta em 2023. O feminicídio cresceu 0,8%, enquanto os casos de tentativa de homicídio contra mulheres subiram 9,8%. Estes aumentos vão na contramão dos índices gerais de mortes violentas intencionais do país, que caíram quase 4% no último ano.

O perfil dos assassinos mostra que 9 a cada 10 assassinatos contra mulheres são cometidos por homens, e mais de 80% dos homicidas são parceiros ou ex-parceiros íntimos da vítima.

As principais vítimas são mulheres negras, de baixa escolaridade, com filhos e divorciadas. O número de mulheres que foi até uma Delegacia da Mulher aumentou em relação a 2021, passando de 11,8% naquele ano para 14% em 2023.

A pesquisadora Isabella Matosinhos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca que a casa é um local inseguro para a mulher, mas as ruas também são. Enfrentar o feminicídio exige pensar políticas para dentro e fora das paredes do lar.

A edição mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública Brasil também indica um novo recorde de estupros e estupros de vulneráveis consumados. Em 2023, o país registrou 83.988 vítimas de estupro, uma alta de 6,5%. A estatística pode ser traduzida em um crime de estupro a cada 6 minutos, sendo as vítimas de estupro, majoritariamente, são meninas (88,2%), negras (52,2%) e com até 13 anos (61,6%). Em geral, a violência é cometida por familiares ou conhecidos (84,7%)

Tabela Resumo dos Destaques do Anuário de Segurança Pública 2024

Dificuldades das Mulheres em Denunciar

A subnotificação dos casos de violência doméstica é um problema crítico. Muitas mulheres enfrentam diversas barreiras para denunciar seus agressores, incluindo:

  • Medo de represálias: O temor de sofrer retaliações por parte do agressor é um dos principais motivos que impedem as mulheres de denunciar. Muitas vezes, o agressor ameaça a vítima ou seus familiares, criando um ambiente de terror que paralisa a vítima.
  • Negligência e discriminação por autoridades: Em muitos casos, as vítimas não recebem o apoio necessário das autoridades, enfrentando descrédito e preconceito. Há relatos de mulheres que, ao procurarem ajuda, são desencorajadas a seguir com a denúncia ou não são levadas a sério.
  • Desconhecimento sobre o que constitui violência doméstica: Muitas mulheres não reconhecem que estão sofrendo violência, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. A falta de informação e educação sobre o tema contribui para essa falta de reconhecimento.
  • Dependência financeira e emocional: A dependência do agressor, seja financeira ou emocional, dificulta a tomada de decisão para denunciar e buscar ajuda. Muitas mulheres temem perder o sustento ou não conseguir sustentar seus filhos sozinhas.

Essas barreiras mostram a complexidade do problema da violência doméstica e a necessidade de uma abordagem multifacetada para enfrentá-lo. É essencial que as políticas públicas considerem essas dificuldades e ofereçam suporte adequado para que as mulheres possam denunciar e se proteger.

 

 Tipos de Violência Doméstica

A Lei Maria da Penha define cinco tipos principais de violência doméstica:

  1. Violência Física: Qualquer ação que cause dano à integridade corporal ou à saúde da mulher. Exemplos incluem agressões como socos, tapas, chutes e empurrões.
  2. Violência Psicológica: Ação que cause dano emocional, diminuição da autoestima, controle de comportamentos, isolamento, entre outros. Isso pode incluir ameaças, humilhações, manipulações e chantagens.
  3. Violência Sexual: Qualquer conduta que force a mulher a manter ou participar de relação sexual não desejada. Isso inclui estupro, coerção sexual e qualquer forma de abuso sexual.
  4. Violência Patrimonial: Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens e valores. Exemplos incluem destruir objetos pessoais da vítima, controlar seu dinheiro ou impedir que ela trabalhe.
  5. Violência Moral: Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Isso pode incluir espalhar boatos, fazer acusações falsas ou insultar a vítima.

Esses tipos de violência mostram que a violência doméstica vai além da agressão física e pode se manifestar de várias formas, todas igualmente prejudiciais e devastadoras para a vítima.

Responsabilização dos Homens neste Enfrentamento às Violências

A responsabilização dos homens é essencial no combate às violências. Conforme citado acima, homens são os maiores agressores. E para transformarmos este cenário, é fundamental que os homens reconheçam seus vieses e comportamentos violentos, assim como se engajem em se posicianarem quando presenciarem comportamentos e/ou ações de outros homens. Algumas ações importantes incluem:

  • Educação e conscientização: Promover a educação sobre igualdade de gênero e respeito às mulheres desde a infância. Isso inclui ensinar meninos e meninas sobre a importância do respeito mútuo e da igualdade.
  • Reconhecimento e mudança de comportamentos: Homens devem refletir sobre suas atitudes e comportamentos, reconhecendo e corrigindo ações violentas. Isso pode incluir buscar ajuda profissional, como terapia, para lidar com comportamentos agressivos.
  • Apoio a campanhas e movimentos: Participar e apoiar campanhas de conscientização e movimentos feministas que buscam a igualdade de gênero e o fim da violência contra a mulher. Homens podem se envolver em iniciativas comunitárias e apoiar políticas públicas que promovam a igualdade de gênero.
  • Denúncia de comportamentos violentos: Homens devem denunciar comportamentos violentos de outros homens, contribuindo para a criação de uma cultura de respeito e igualdade. Isso inclui não tolerar piadas ou comentários misóginos e intervir quando testemunharem situações de violência.

A participação ativa dos homens e a responsabilição pelas violências que cometem (e sofrem) é o caminho para transformação da cultura de violência, do assédio, do estupro, etc. Esta é uma urgência de todos. para que possamos almejar no futuro vivermos em um ambiente que seja seguro e igualitário para todas as mulheres.